sexta-feira, setembro 26, 2014

fic Um pirulito pelos seus pensamentos

Os agentes mal podiam acreditar em tudo o que estavam lendo no blog “confissões de uma assassina em série” de apenas 16 anos, que tinha iniciado sua jornada aos treze anos. Foram três anos relatando todas as suas angústias, decepções com amigos, família, escola, enfim, desilusões com o mundo que nunca conseguia dar conta de promover algum consolo àquela alma tão perturbada e precisando de ajuda, e sua válvula de escape: provocar a morte de pessoas inocentes das mais variadas maneiras. A garota relatava seu alívio passageiro de sua mente conturbada e que não conseguia ver nada além de desesperança e dor nem em sua vida, nem em toda sua volta. Tudo ali, para quem quisesse ver. Para quem quisesse impedir. Para quem quisesse socorrer. “Eu sou invisível”, reclamava a garota, e o blog ativo por tanto tempo comprovava sua certeza de que nada nem ninguém poderia percebê-la, perceber sua presença, seus medos, seus estranhos e mórbidos desejos.

Prentiss instintivamente coloca as mãos nos brincos, no colar, ajustava o relógio. Aquelas palavras tão maduras de uma jovem que iniciava tão criança seu percurso de tristeza tocavam seu coração. Sempre que havia algo de humano em um serial killer, tudo ficava mais complicado, mesmo para ela que sabia ‘compartimentar’ tão bem seus sentimentos. A solidão expressa pela garota encontra ecos de suas lembranças no período que ficara afastada de seus melhores amigos. “A vida não tem nenhum significado”, desabafava a garota, “para mim nada importa. Eu olho em volta e tudo é estranho a mim, não tenho nenhum vínculo com nada à minha volta”. Sem dúvida, um relato carregado de humanidade, um relato tão sensível, tão intenso. E, infelizmente, perdido por muito tempo. Agora já era tarde demais, a garota já estava comprometida demais com sua perturbação, já havia causado danos irremediáveis, a si mesma e à sociedade.

“Não é como se eu não conseguisse gostar de alguém. Eu até gosto das pessoas. Mas parece que isso é só pior. Quando um estranho te machuca, você simplesmente não se importa, porque aquela pessoa não significa nada para você. Mas quando um amigo te decepciona, isso é a morte. Ninguém que eu goste consegue ser paciente comigo, ninguém que eu goste consegue entender que eu preciso de compreensão, que eu preciso de apoio. Eu preciso que alguém se lembre de mim, que me telefone, que convide para fazer alguma coisa. Eu preciso que alguém compartilhe comigo alguma coisa. Mas quando uma pessoa que eu considerava ‘amigo’ simplesmente se esquece da minha existência, isso machuca muito. Muito mesmo. Eu me esforço pelas pessoas. Por que as pessoas não se esforçam por mim? É pedir muito que percebam que eu faltei na aula uma semana? Eu falo que estive com febre e ninguém mais me pergunta nada. Não me pergunta se melhorei, se preciso de alguma ajuda. Eu não estive com febre, estive no quarto fazendo compressas no meu corpo, contendo sangue com as mãos, esperando as marcas visíveis do meu rosto desaparecerem. Ninguém percebe? Como ninguém percebe que algo muito errado está acontecendo em minha casa?”

Reid já de muito tempo havia superado a dor das mentiras dos amigos sobre a morte de Prentiss. Sim, existem regras, regras de confidencialidade que interferem no seu trabalho. Regras e protocolos que interferiram no seu relacionamento com as pessoas com quem trabalha diretamente, pessoas em quem confia. Mas, sem dúvida, descobrir a verdade doeu, e doeu muito mais por conta da amizade que ele tem por estas pessoas. Se fossem apenas colegas de trabalho, talvez tivesse superado mais rápido, talvez sua dor não tivesse sido tanta. A sensação da traição, ele entende isso. E entende também que às vezes a vida é um pouco mais complicada do que se possa compreender. Nem sempre é possível fazer ‘a coisa certa’, porque ‘a coisa certa’ pode ser impossível. Às vezes, agir ou não agir, nada vai desencadear uma situação ideal. Nada produz um bom resultado. É preciso viver com as cartas que estão na mesa, dançar conforme a música, aceitar as dificuldades e superar as tristezas tendo em vista as reais possibilidades dos recursos que estão à mão.

__ Pobre garota, - comove-se Garcia. - Ela mostra aqui no mundo virtual seu verdadeiro eu, seu mais verdadeiro íntimo. Ninguém escutou.

__ Por se mostrar assim tão transparente no blog, Garcia, certamente esta garota disfarçava tão bem seu estado de perturbação que ninguém poderia perceber mesmo. Ninguém suspeita, pode ter certeza disso. Ninguém imagina o tanto que ela passou e no que se tornou, no que é capaz de fazer. – Morgan explica.

__ Ela se sente totalmente desconectada do mundo e está mergulhada em pensamentos negativos. – acrescenta Reid.

__ Acumulou durante anos uma dor muito grande em si mesma e nunca dividiu isso com ninguém, nunca exteriorizou isso. Essa dor agora age. Ela tenta reproduzir esta dor em suas vítimas...  – Rossi conclui.

Superar a dor, lidar com a dor, viver com a dor e não deixar que ela se espalhe e tome conta: tarefa árdua a todo ser humano. Aqui um caso evidente de como a mágoa pode envenenar a mente, desestruturar a mente, comprometer a mente.

E nem sempre é possível superar sozinho. Às vezes é preciso ajuda e muita ajuda.

“Há algo bonito em ser agredido. Há um segundo antes da agressão em que o mundo parece que para. É aquele ventinho na face antes do tapa. É o momento: é agora, agora vai doer. O momento antes que algo encoste na vagina. Neste segundo, tudo é bonito, tudo é intocável, tudo é purificado. E, quando tudo já está acontecendo, quando você já nem se importa de tudo o que está sofrendo, tudo volta a este estado bonito, intocável, purificado. Porque, não importa o quanto a violência esteja te atingindo, ela não te atinge verdadeiramente. Porque, em um dado momento, tudo simplesmente para de doer. Você para de pensar. E nada mais importa. Nada mais dói, porque dói demais, além do que se pode aguentar. Então o seu sangue, o gosto do seu sangue, torna-se o melhor gosto do mundo. O seu coração batendo torna-se a coisa mais bonita do mundo. Porque, em um dado momento, é como se estivesse tudo imobilizado, até o coração parado. É uma boa sensação”.

Hotch franze a testa. É tão impactante que uma garota consiga ter uma percepção tão poética de sua triste existência, e que essa mesma capacidade de sentir e transcender se torne um desejo assassino tão feroz. Ele mesmo, se tivesse que escrever sobre sua experiência de agressão, sobre os momentos em que esteve sob o domínio de Foyet, recebendo as facadas, ele mesmo não conseguiria descrever com tanta precisão o que tinha sentido. E aos 14 anos aquela garota conseguia. Se tivesse tido ajuda, se não tivesse passado por tanto, que exímio talento ali! Que futuro brilhante teria tido...

E aquela garota já tinha encerrado seu blog. Tinha encerrado dois meses antes, quando passou a adotar um mesmo M.O., quando finalmente chamou a atenção da polícia e do FBI. Tinha desistido de blogar, partia para a violência gratuita e descontrolada, principalmente contra crianças. Mas o que tinha deixado ali serviria de rastro para que o time da BAU previsse seus passos seguintes.

__ Nós vamos encontrá-la! – afirma Prentiss. – Não é tarde demais.

__ Vocês estão pedindo para que eu traia a minha filha!
__ Não, nós estamos pedindo para que você salve a vida dela! - argumenta Prentiss, diante a mãe.
__ Cara senhora, há muitas pessoas com raiva de sua filha. Com ódio! As famílias das vítimas, as pessoas na rua, a polícia... estão todos supervigilantes e ela não vai escapar se alguém a encontrar antes que a gente! - completa Hotch.
__ Não posso desconsiderar a chance de ela fugir! Eu nunca que desejaria à minha filha a mesma vida que eu tenho aqui!
A mãe está na cadeia. Já está lá há pouco mais de 10 anos. A última vez que tinha visto sua filha tinha sido aos seis anos de idade. A mãe ainda tem um longo período a cumprir. Talvez nunca se encontrem novamente...
__ Mas é melhor salvá-la, senhora! Por favor, veja o que sua filha tem escrito há três anos em seu blog na internet: "Não posso dizer que sou feliz fazendo o que faço. Não sei se alguém sente prazer ou felicidade fazendo isso. Eu me sinto muito mal. Eu me sinto um lixo. Acordo lixo, ando lixo por aí, vou dormir lixo. Há realmente um tipo de suspiro de alívio em mim quando vejo o último suspiro de alguém. Mas é só um suspiro. Não me lembro da última vez em que estive bem, duvido que eu me sinta melhor um dia. Para mim, não há mais chance". - adiciona Prentiss.
__ Senhora, nós estamos pedindo que ouça o apelo de sua própria filha. Tudo o que ela escreve é um grito de socorro. Ela sofre um distúrbio, nós precisamos encontrá-la para impedir que ela mate novamente. Somente isso que pudéssemos fazer já é uma ajuda a ela, você entende? - Hotch.
__ Ela é de menor... vai poder sair com 18 anos? - a mãe, já com lágrimas nos olhos.
__ Não, senhora, ela não vai sair. O que tem feito já é por demais de grave para haver chance de sair livre. Mas ela não está livre, você não percebe? - Prentiss.
__ Mas ela será julgada como incapaz. Sua filha, pelo que observamos nos seus textos, sofre de um distúrbio dissociativo. O que ela sofreu foi tão forte que ela teve que se afastar de si mesma para suportar. - Hotch.
__ O que é dissociativo?
__ Quer dizer que ela se sente outras pessoas. É como se tivesse múltipla personalidade, mas não como se vê no cinema... ela não tem outros nomes, não tem modos diferentes de se vestir ou de se portar, mas deve, sim, ter brancos em sua memória, assumir diferentes modos de reagir, diferentes modos de pensar. Sei que é confuso, mas tudo o que você precisa saber agora é que o melhor que pode fazer por sua filha é confiar em nós. - Prentiss.
__ O que devo fazer? - pergunta a mãe.
Hotch e Prentiss sabem que, como a própria adolescente relatara em seus textos, ela procura por um lugar que frequentou na infância. E, segundo indicações do blog, é um local que ia com sua mãe, enquanto esta talvez exercesse alguma atividade ilícita, talvez um laboratório de processamento de drogas. Embora a mãe estivesse presa por tráfico de drogas, não havia nenhuma indicação em sua ficha de onde pudesse ser este laboratório, quem sabe ainda em atividade.

__ Você parece distraída. - comenta Hotch.
__ Não consigo entender como uma mãe prefere proteger um endereço de tráfico do que fazer de tudo para salvar a própria filha.
__ Ela vai entrar em contato com seus antigos companheiros para avisar que sua filha está procurando pelo local. Assim rastrearemos essas pessoas, nós vamos encontrá-la.
__ Não duvido que a gente consiga localizar este laboratório. Mas será que esta garota vai conseguir encontrá-lo? Está tão perturbada, será que vai conseguir reconhecer algum detalhe do caminho, mesmo que passe por perto? Não sei. Estou com um mal pressentimento quanto a este caso.
__ Esta garota aborda assuntos que mexem com todos nós da equipe. A maneira de como descreve sua dor é universal.
__ Sim, põe a gente a pensar, sim...

"Lembro do pátio. Na parede, separadas, gaiolas penduradas expunham lindos pássaros. Havia um deles que de início eu achava o mais feio: ele era todo cinza. Sim, cinza! Mas não acho que era sua cor natural, não... acho que estava sujo. Mas ele cantava tão alto e tão bonito... Do mais feio, passou a ser para mim o mais bonito. Estranho como algo assim pode acontecer, não é mesmo? Primeiro a gente não gosta, é o último de mais bonito. Depois, quando o sentimento vem, passa a ser o mais lindo de todos. E eu sentia o peito cantar quando o pássaro cantava. Cantavam no mesmo tom. Eu sei que se voltar lá e pelo menos a gaoila estiver ainda, sei que vou sentir meu peito quente novamente, aquecido pelo canto do pássaro. Vou me lembrar de sua voz, vou me lembrar de seu calor entrando em mim. Agora estou tão morta, faria qualquer coisa que despertasse algo de vivo em mim. Ou que me matasse de vez. Mas eu não vou me matar. Não que eu não conseguisse. Se eu quisesse, mas não quero. A vida não vale nada, estou mais que convencida disso. Por que eu haveria de me matar? Para nada? Para nada, não adianta. Se valesse por alguma coisa, mas não vale. Eu tenho pensado cada vez mais neste pássaro. Quero ficar diante sua gaiola, mesmo que vazia, e confessar tudo o que tenho feito. Aqui, não vale como confissão. Aqui, não estou conversando com ninguém a não ser eu mesma. Se eu me aproximar da gaiola, sei que vou reconhecer a alma do pássaro nela. Ele vai estar lá, não há outra coisa que ele tenha conhecido na vida a não ser a gaiola. Ele continua lá preso, assim como meu coração continua preso à dor que sempre esteve comigo desde o dia em que nasci. Conversar com o pássaro vai me fazer bem. Vai me fazer bem confessar da minha solidão, da minha escuridão. Há anos que não falo nada de mim para ninguém, talvez eu esteja até louca. Se a gente não conversa, enlouquece. Nunca ninguém quis me ouvir, nunca ninguém apareceu para me ouvir. Agora eu preciso sair e ir à procura deste pássaro."

__ Talvez um dia a gente possa conversar, Prentiss. Conversar sobre o período em que você esteve longe.
__ Você está me dizendo que precisa conversar sobre o período em que eu estive longe?
Hotch não responde.
__ Ok, um dia vamos conversar sobre isso.
__ Fale comigo, Baby girl...

__ Ah, Morgan, você sabe exatamente o que me perturba! Não preciso nem explicar! Você nem precisaria ser um profiler para entender o que estou passando agora.

__ Sim, você também procurou, na sua adolescência, um caminho para extravasar tudo o que estava sentindo. Tudo bem, não estou julgando... mas há uma grande diferença, Garcia, entre querer desafiar o mundo através da contravenção e querer sanar suas dores tirando outras vidas! Esta menina não é nada parecida com você.

__ Morgan, há muito tempo antes de começar a matar esta menina colocou na internet todas as suas angústias, todos à sua volta falharam com ela, houve tempo suficiente para se perceber que algo estava acontecendo de errado e simplesmente ninguém viu! Ninguém viu, Morgan!

__ Eu sei, Garcia... mas por mais dedicada que você seja e por mais tempo que estivesse conectada, não haveria como descobrir este blog antes! Garcia, são milhões de informações que entram na rede todos os dias, não há como verificar tudo! Você não pode se culpar por não ter visto este blog antes!

__ E agora? O que vai acontecer com esta garota? Em primeiro lugar, ela é uma vítima!

__ Garcia, eu não sou Reid, não tenho a estatística e os dados exatos para te passar agora e se você perguntar ao Reid ele te responderá na hora um número exorbitante de vítimas que todos os dias sofrem abuso. E essas vítimas não se tornaram agressores, não se tornaram assassinos. Se você pensar, muitos assassinos passaram por fases muito difíceis na vida, mas isso nunca foi desculpa ou justificativa para seus atos criminosos e cruéis!

__ É verdade, você tem razão.

__ Se nós somente daqui cinco anos tivéssemos descoberto sobre ela, você teria a mesma reação? Não podemos deixar nossos sentimentos interferirem no nosso trabalho. Apesar de ela ter sofrido tudo o que sofreu, ainda estar sofrendo e ser menor de idade, temos que encontrá-la, temos que trazê-la à lei.

__ Isso se conseguirmos encontrá-la, Morgan. Isso se conseguirmos encontrá-la antes de alguém vingativo e com raiva de tudo o que ela está fazendo.

__ Garcia, tenho que ir. Fique bem! Nós vamos encontrá-la. Por isso precisamos que você esteja focada, ok?

__ Você também, meu amor!

__ Hotch, você está bem?

“Hoje na escola aconteceu algo que achei muito inusitado. Considere assim: A e B eram amigas, mas aí B traiu a confiança de A. Mas traiu feio. Ficaram um tempo sem se falar. Hoje, A disse que perdoou B. Mas é tão óbvio que não perdoou! Acho que A não quer ficar por fora do círculo de amizades de B. Olha, acho que a maior parte dos relacionamentos são superficiais. Assim: as pessoas se declaram amigas eternas. Mas basta um mínimo problema que a amizade cai por água abaixo. Se há um relacionamento mais complexo, os amigos fazem de tudo para superar o que causou o problema. Conversam entre si. Tentam superar. A não superou nada, está na cara que não superou. Mas também não quer perder os privilégios de andar com B. Por que as pessoas agem assim? Já vi amigos por motivos muito bestas brigarem. Eram amigos há séculos, mas continuavam amigos porque na verdade nunca tinham enfrentado uma crise juntos. A crise determina se a amizade é verdadeira. Se não há crise, a amizade de 10 anos não pode ser considerada verdadeira. Só depois de se superar uma crise, aí, sim. Sabe quem supera crises comigo? Ninguém. Eu não me importo na real de não ter amigos verdadeiros. Sabem por quê? Quem teria culhões de ser meu amigo? Quem daria conta de tentar me entender, entender como me sinto, entender os problemas sérios que enfrento? Eu perdi esperança na humanidade. As pessoas são fracas. Fraquíssimas. Não aguentam nem uma decepçãozinha de merda. Não estão prontas para estarem ao seu lado quando você precisa. Se você precisa de ajuda, todo mundo sai fora. E, se bobear, ainda falam mal de você. Te juro: eu já me esforcei muito para tentar entender as pessoas, dar aquela força no momento de tristeza dos outros, mesmo que seja um problema ínfimo. As pessoas que eu pensei que pudessem me ajudar, só me decepcionaram. Não consigo nem expressar o quanto me dói lembrar das minhas tentativas patéticas de confiar em alguém. As pessoas não passam de umas covardes, só pensam em si mesmas, nas suas dores pequenas e fúteis. Ninguém está realmente interessado em ser um bom amigo. Querem ser seu amigo só para se divertir e se aproveitar. Querem conselho, querem carinho, querem, querem, querem. Eu nunca mais vou me decepcionar com alguém. Sabem por quê? Porque eu desisti da humanidade. Se alguém sofre, tanto faz para mim. Eu também não sofro? Eu não tenho que dar conta de minha dor? Se eu posso, os outros também podem. Eles que aguentem a dor”.

__ Rossi, uma das coisas mais frustrantes é que, se não conseguirmos capturá-la e com vida, esse pai que abusou e torturou por tantos anos vai escapar. Seu blog não vale como provas e não foi encontrada nenhuma evidência de abuso na casa. Não há nenhuma testemunha, ela nunca confessou isso para ninguém pessoalmente. Ele simplesmente pode ficar impune. Apenas ela pode colocá-lo atrás das grades.

__ Este caso realmente envolve muitas complexidades. O time está conseguindo manter o foco? Manter a imparcialidade?

__ Você mesmo tem visto o empenho de todos. Nós temos que encontrá-la por tantos motivos! – o telefone de Hotch toca. – Alô? (...) Calma, quem está falando? (...) Como?! – Hotch faz um gesto para Rossi, que imediatamente telefona para Garcia.

__ Garcia, esteja a postos. Algo aconteceu, Hotch está no telefone agora, vou colocar no viva-voz. – Em seguida, Hotch também coloca seu telefone em viva-voz.

A voz no outro lado da linha, da mãe de uma das vítimas, explica:

__ Estou lhe dizendo! Ela acabou de me telefonar! Acabei de falar com ela! Mas ela não me disse onde estava, eu implorei para que me dissesse!

__ O que ela falou?

__ Hoje cedo eu fui à igreja. Escrevi uma mensagem para Deus, que a perdoasse por tudo o que ela tinha feito, que ela era apenas uma garota muito doente e que precisava de ajuda. Deixei aos pés de uma estátua de anjo. Ela devia estar na igreja e ninguém viu, ela deve ter pegado este papel porque acabou de me ligar, perguntando se eu a tinha mesmo perdoado... ela disse que não entendia, como que eu poderia dizer o que falei da pessoa que... da pessoa que... tirou... a vida... da pessoa que tirou a vida da minha própria...

__ Muito obrigado por ter nos telefonado, já estamos pesquisando sua linha para ver de onde ela ligou! Muito obrigado, a senhora foi de uma grande ajuda! Muito obrigado, mesmo! – após desligar o telefone – Garcia? Você conseguiu localizar a ligação?

__ Só um minutinho!... Só um minutinho!! Sim, sim, é de um orelhão da cidade! Ai, meu Deus do céu, vocês precisam correr lá! Ela ainda deve estar por perto! Enviei o endereço para seus celulares!

__ Prentiss e Reid são os mais próximos da localização... Alô, Prentiss? Prentiss, você recebeu o endereço? Sim, corra para lá, a suspeita deve estar nas proximidades!

__ Hotch, pé na tábua! Vamos para lá!

E o carro sai a todo vapor, tocando a sirene!
Morgan vem correndo pela rua.

__ Nada? – pergunta Hotch, ainda dirigindo o carro.

__ Não!! Estamos circundando toda região que podemos, mas ainda nem sinal dela!

As sirenes se acumulam ao redor da praça.

O tempo passa e a esperança de encontrá-la começa a reduzir.

Vem um homem correndo de dentro de uma lanchonete, assustado com tantos agentes do FBI e tanta polícia.

__ Algum problema, oficiais?

__ Você viu uma menina utilizando este orelhão hoje?


Ele olha confuso para o orelhão.

__ Menina? Sim... havia uma jovem neste orelhão há alguns momentos atrás... ela estava de skate e foi naquela direção... esperem... vocês estão atrás da assassina das crianças? Ah, não acredito que ela esteve bem aqui na nossa frente!

__ Obrigado, senhor... pode voltar para a lanchonete agora! – Hotch sai do carro. Prentiss vem em sua direção.

__ Ah, isso não é nada bom... nada bom!

__ Vamos continuar procurando! Pensem em todas as possibilidades para onde ela possa ter ido. Não vamos descansar enquanto não encontrá-la!

Todos se mobilizam. Procuram. Percorrem ruas, perguntam às pessoas... viram uma garota passar de skate por aqui? Para onde teria ido? Repassam os locais familiares a ela. Fazem vigília. Um olho na rua, outro na população, espumando de raiva, pronta para pegar paus e pedras e tudo o que viesse pela frente para atacá-la.

Do outro lado da cidade, JJ prepara a mãe da vítima para uma declaração na TV.

“Eu sou a pessoa que mais deveria estar banhada de raiva neste momento. Minha filha teve a vida roubada brutalmente e com muita dor” – a mãe tenta não soluçar, mas impossível reduzir o tremor da voz. “Mas há houve muita violência para uma mesma cidade. Já houve muita violência para toda a nossa vida. Enquanto estimularmos a violência, a violência continuará acontecendo. Por favor, se encontrarem a responsável por estes atos brutais e sem sentido, por favor, se lembrem que se trata de uma mente doente, lembre-se de se trata de um ser humano doente. Sei que ela precisa encarar as consequências de seus atos, mas, por favor, eu lhes peço. Se a virem, por favor, chamem a polícia. Não se vinguem com as próprias mãos. Ouçam meu apelo de mãe, chega de violência. Já derramamos suficiente lágrimas. Já derramamos suficiente sangue. Não vamos continuar a perpetuar a violência. Vamos perpetuar a paz. Eu agradeço do fundo do meu coração. Não quero que a morte de minha filha justifique outra. Minha filha não merece isso. Por favor, respeitem a memória de minha filha e façam isso com paz no coração!”

__ Já faz muitas horas. – ressalta Reid. – Talvez tenhamos que considerar o que não consideramos até agora.

__ Sim, o impacto da palavra de bondade e paz pode ter se reverberado de maneira forte na suspeita. Ela pode ter tirado a própria vida a esta altura. – responde Prentiss.

__ Ou... alguém pode tê-la visto e nunca vamos encontrar o corpo...

Prentiss olha para Hotch, aproxima-se dele.

__ Quer dar uma volta?

Hotch afirma que sim com a cabeça. Eles entram no carro.

Após rodar por quinze minutos em silêncio, ele estaciona em outra praça. O sol começa a se por.

__ Ah, este dia não está nada legal. – comenta Prentiss.

Eles saem do carro, encostando nele. Veem o por do sol.

__ Eu não consigo imaginar o quanto difícil foi para você ter que ter mentido para o time sobre mim. Sinto por tudo o que você passou. Deve ter sido péssimo mentir para seus amigos e colegas de trabalho.

Hotch, de óculos escuros, por um momento não se move. Só olha o céu. Se não fosse um dia tão triste...

__ Não foi nada difícil.

__ O quê?

__ Não foi nada difícil. E eu faria de novo dez vezes. Tudo o que importava era saber que você estava em segurança. Você poderia ter ido para a Ásia, para a lua. Eu estava bem, porque sabia que você estava a salvo.

__ Eu senti sua falta.

__ É... eu também.

Hotch suspira. Alguns centímetros entre eles.

__ Você esteve em meu coração o tempo todo.

__ Você também esteve comigo todo o tempo.
Mais tarde, todos se reúnem na delegacia.

Reid começa a desmontar o quadro, retirando as fotos, os papéis. Garcia, do outro lado da tela, sentada. Ninguém consegue dar a palavra final: “É isso! fizemos o que pudemos, agora é hora de ir!”

Nas ruas, uma vigília se organiza. Centenas de velas silenciosas se aproximam umas das outras. Os rádios e programas de TV reprisam a estória toda hora, com ênfase no discurso da mãe da vítima.

__ Gente, não quero ir para casa chorar... – resmunga Garcia.

__ Não saber o que aconteceu é simplesmente... uma droga! – complementa Morgan.

Reid olha seu relógio. Talvez estivesse pensando se daria tempo de chegar ao hotel e, depois do banho, ver seu programa favorito. É hora de começar a se desfazer do peso da dor no peito para seguir em frente. No dia seguinte, o próximo caso, a próxima tristeza.

De repente, um súbito silêncio. Até os telefones parecem espantados, porque até eles param de tocar. Garcia, com os olhos arregalados, aproxima-se do monitor, para acreditar no que via.

Morgan é o primeiro a reagir, preocupado em não despertar emoções vívidas de todos que passaram o dia sem saber como seria o desfecho desta tão chocante estória.

Ele se aproxima dela. Ela, que havia entrado pela porta da frente. Com o rosto molhado em lágrimas. Com a cabeça baixa. Trêmula.

Há um alívio comovido em todo o ambiente.

Ela então havia resolvido se entregar. Percorrera a cidade sem nem uma pessoa que a notasse. Neste caso, sua ‘invisibilidade’ havia lhe protegido. E, agora, ela, ali, de pé, como um milagre.

Morgan a retira do ambiente rapidamente, levando para uma sala. Mas o que ele receava, de que algumas pessoas pudessem iniciar algum tipo de agressão, física ou verbal, não acontece.

Assim que ela se senta, depois de uns minutos, acomodada, sem nem ao menos conseguir processar tudo em sua mente, ela pega um papel e começa a escrever:

“Eu deveria estar muito feliz de estar errada. Enfim, não há apenas mal no mundo, há o bem também. É pena que eu não pude perceber isso antes. Fui contaminada por uma nuvem negra de ódio e vingança. Agora, nem sei contra quem eu estava agindo. Nem sei o que estava combatendo. Acho que estive louca. Acho que estive embebida nas águas dos fundos dos poços. Não o fundo do poço comum, mas aquele fundo do fundo do fundo à beira do Inferno. Estive embebida e iludida com minha própria saliva envenenada do fundo do poço total. Não sei direito o que aconteceu. Sei que estive representando o pior do mal que pudesse existir. Enfim, agora, escuto o pássaro cantar. Olho para cima, minha vista está embaçada, mas sei que há luz. E, lá da luz, o pássaro canta para mim. Espero que ele cante também para todas as pessoas que prejudiquei, que feri, que causei dor. Sei que o que fiz é irremediável. Nem espero ser salva. Mas estou pronta para desistir. Desisto de ter ódio do mundo. Descobri tarde demais que o ódio não vale a pena”.
Outros casos viriam naquela semana, naquele mês, naquele ano.

Mas certamente nada se compararia a este.

Dias depois, a equipe ainda troca nos olhares os ecos daquelas palavras. Alimentando mais o amor entre eles. É como se reforçassem a importância do amor que os une. Um amor tão forte, mas tão forte, que não importasse o que viesse nas pastas que apresentam os casos, nada os abalaria.

Seguir em frente, sempre.

Deixando para trás as tristezas. Carregando para frente a esperança, a paz, o amor.

Rosely Zenker - 17/12/2011

FIC Dia dos namorados

__ Emily?
__ Aaron?
__ O que está acontecendo?
__ Não sei... parece que estamos... sonhando...
__ Será?
__ Sim, está tudo tão estranho... e confortável!
__ Oh, obrigado!...
Prentiss percebe que está enlaçada nos braços de Hotch.
__ Sim... só pode ser um sonho!
__ Mas... estamos sonhando ao mesmo tempo ou é meu sonho?
__ Não sei se é seu sonho também, mas definitivamente este sonho é meu, sim...
__ Mas parece meu... tudo está estranhamente tão real...
__ Então se estamos sonhando juntos, é melhor aproveitar! – Hotch aperta mais ainda Prentiss em seus braços.
Por um momento ficam em silêncio. Prentiss suspira.
__ O que Reid falaria sobre isso?
__ Reid?
__ Ou Morgan?
__ Por que, você pretende contar para eles?
__ Eu? Não... não... só estava imaginando...
__ O quê?
__ O que os outros diriam... o que nossa equipe diria...
__ Prentiss?
__ Sim?
__ Não pense nisso agora... você está nos meus braços! O que mais poderíamos desejar?
__ Estou!
__ Sim, está...
__ Quanto tempo você acha que teremos ainda?
__ Não sei...
__ Quando acordarmos, teremos esquecido?
__ Espero que não.
__ Mas é uma possibilidade.
Hotch franze a testa.
__ Sim, é uma possibilidade.
__ Será que nos esqueceremos de como é bom isto?
__ Poderia ser melhor.
__ Sim. Poderia. Mas parece tão perfeito...
Prentiss olha em volta. Há uma lareira. O tapete felpudo. A manta vermelha.
__ Não me lembro deste lugar.
__ Não? – indagou Hotch.
__ Por que, você se lembra?
__ Parece-me familiar, sim.
__ Então talvez seja apenas seu sonho...
Hotch olha mais uma vez para seus pés descalçados, tentando enfiá-los para baixo da manta curta. Manta vermelha.
__ Se fosse meu sonho, estaríamos nus.
Prentiss sorri.
__ E por que você acha que no meu sonho seria diferente?
__ Não sei por que. Mas, de fato, estamos vestidos.
__ Sim, mas está tão bom!
__ Está! – Hotch responde sem pestanejar. – Estou brincando. Não trocaria este momento por nada.
__ Tomara que a gente se lembre quando acordar...
__ E se for tudo verdade?
__ Não pode ser...
__ É, não pode... não me lembro de como vim parar aqui...
__ Estamos com esta coberta e não é inverno... está calor todos os dias, por que estaria frio só hoje?
__ Sim, fortes indícios de que é apenas um sonho.
__ Indícios? Evidências.
__ Sim. Infelizmente.
Mais um momento de terno silêncio.
__ Hotch?
__ Hã?
__ Por que não tornamos nossos sonhos, realidade?
__ Como assim? Você não pode dizer isso... – Hotch ri.
__ Por que não?
__ Nós somos profileres! Tudo o que sempre sonhamos. Tudo o que você sempre sonhou. Tudo o que muitos sonham.
__ Mas não este sonho que estamos tendo agora... este não realizamos...
__ Ah... este sonho...
__ Quem sabe quando acordarmos não despertemos nossos sentidos reprimidos, quem sabe tudo seja diferente, seja mais permitido e possível...
__ Quem sabe possamos festejar juntos, celebrar juntos os nossos desejos... tocar nas mãos um do outro, tão ternamente como agora...
__ Tão docemente como agora...
__ Tão...
Ah, se todo abraço fosse assim sentido em todo sonho, como seria mais feliz a vida, como seria mais intenso o afago, como seria mais interessante sonhar... mas ai que não aparecesse o pesadelo, que muito mais cruel seria, muito mais ferido seria o acordar... que somente nossos sonhos fossem o compartilhar de momentos belos, de momentos que fizessem a alma sorrir.
__ Hotch?
__ E se não acordássemos?
__ Como assim?
__ Se congelássemos esse sonho, ficássemos assim para sempre?
__ Não daria certo...
__ É, você tem razão... mas não custa sonhar...
__ Você está sonhando nos nossos sonhos?
__ Por que não?
__ É, você tem razão... não custa sonhar...
__ Ainda mais um sonho assim tão bom...
Eles ficam em silêncio, como que sorvendo todo instante, como que prevendo e temendo a interrupção a qualquer momento.
__ Sabe do que mais estou gostando deste sonho?
__ Hã? – pergunta Prentiss.
__ De ouvir sua respiração assim tão de perto.
__ Quer escutar meu coração?
__ Lógico.
__ Também quero escutar o seu.
__ Estamos vivos... – conclui Hotch, sorrindo.
__ Hotch, preciso te dizer uma coisa... antes que seja tarde demais...
__ Também estava pensando nisso, mas talvez a gente não precise dizer...
__ Pode ser a única oportunidade...
__ Impossível!
__ Você então adivinha o que estou pensando?
__ E você, adivinha então os meus pensamentos?
__ Guardado seu pensamento está, em mim.
__ O seu também.
Eles suspiram, dando um leve beijo de lábios.

*****
__ Hotch?? Hotch!?
Morgan balança o ombro de Hotch, o voo já acabou, hora de despertar. Do outro lado do corredorzinho do avião, JJ chama Prentiss, que também acorda devagar.
Ambos cruzam o olhar.
Que pena. A realidade.
Hotch sorri com os olhos, Prentiss com o canto dos lábios. Que sonho bom!

[FIC] Désir (continuação da fic Erotikus)

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

Rosely Zenker - 13/05/2010

Désir (desejo em francês)
__ Faça amor comigo, Emily!
Prentiss engoliu seco.
Teoricamente, este pedido não deveria surpreendê-la, ela mesma havia proferido a mesma frase no dia anterior, mas seu coração palpitou mesmo assim. Desta vez, ela estava do outro lado da mesma conversa. Outra situação? Sim. Estava tentando recuperar o controle. Muito de si havia escapado naquele porão, quando ficara imobilizada e à mercê daquele unsub perturbado.
Prentiss se lembrava com vividez do momento de sua captura. Havia sido como que retirada do mundo em frações de segundo. Sentiu-se como uma lebre esperta o suficiente para escapar de mil perigos que antes lhe haviam assombrado, mas não tanto desta vez diante este perspicaz predador. As garras e cordas que envolveram sua cintura poderiam ter quebrado sua coluna, talvez. Talvez tivesse morrido naquele instante. Ela sobreviveu, entretanto. Abatida, dopada, e aquele unsub desequilibrado somente expressava o sorriso no canto do lábio, salivando como de posse de uma suculenta perdiz. Arrastada para dentro do barco de pequeno porte, Prentiss pôde experimentar a sensação de ser apenas uma cota de carne jogada no chão. Um organismo vivo. Respiração. Salivação. O unsub a olhava de forma a imaginar riscos na pele, indicando a divisão do tipo de carne. E sua predileção era por molho madeira. Assado mal passado. Funghi de guarnição.
Prentiss estava no processo de recuperar a posição de ser humano. Relegada às sensações do tratamento frio e absolutamente restrito a consumidor/mercadoria em relação ao unsub, ela buscava se instrumentalizar para reaver sua identidade em plena forma. Esta alternativa, porém, era uma impossibilidade intransponível. Tudo o que ela queria era sentar em sua mesa, concentrar-se nas suas atividades, reacender o raciocínio calculista, ir a campo, envolver-se nos quebra-cabeças e desvendar os desafios profissionais a que sempre se dedicou com máximo esforço. Ficar afastada do trabalho parecia ser a pior condição neste período. Esta rotina roubada de sua vida mordia-lhe o ego.
À medida que Hotch se aproximava do prédio de Prentiss, repassava em sua cabeça o que ele tanto gostaria de lhe dizer. Duvidava que encontraria em seu apartamento uma mulher fragilizada. Àquela altura, já estaria envolvida em culpa por estar afastada de seu trabalho, possivelmente acreditando que houvesse algo que ela pudesse ter feito no decorrer da investigação que impedisse os eventos que se passaram antes e depois de seu sequestro.
Hotch não entraria naquele apartamento com esperanças de oferecer algum consolo, apenas queria estar lá, evidenciar sua presença. Duvidava que ela desabafasse os seus temores, as dores, as angústias de sua solidão no cárcere. Prentiss àquele momento estaria tentando repudiar a sua situação de vítima, talvez tentasse convencê-lo por palavras, gestos, postura, de que estaria pronta para voltar ao trabalho em tempo mínimo. Sua saída do hospital realmente havia sido rápida. Seu estado de saúde estaria em poucos dias reabilitado. O departamento a obrigava a frequentar um número padrão de consultas na terapia. Seus argumentos sólidos, entretanto, não o podiam convencer de que fosse saudável seu retorno enquanto tanto ela quanto equipe tivessem se perdoado por tudo o que eles não teriam as mínimas chances de evitar.
Ser vítima não é um estado eterno. Não se está sendo vítima o tempo todo. Ter sido vítima, porém, muda algo em si mesmo. Nada vai ser como antes. A superação é possível, sem dúvida. Há de se ficar alerta aos reflexos instalados na mente: nem todo grito será uma ameaça, nem todo tranco será o impacto da violência sofrida, nem toda frustração será motivo de reviver a tensão experimentada. Há de se convencer a mente de que nem tudo estará relacionado ao que se viveu naquela determinada época. Ser vítima em algum momento da vida altera algum curso dos nossos pensamentos. Altera a nossa forma de reagir, de sentir, de entender. Há de se livrar da culpa inevitável: não somos responsáveis pela violência infringida contra nós.
Ah, seria tão bom que nada tivesse acontecido, que nada tivesse morrido em nós, que nunca tivéssemos derramado uma lágrima em algum canto escondido da alma. Que nunca tivéssemos que disfarçar uma mancha arroxeada suspeita de ninguém. Seria tão bom se pudéssemos impedir o que os outros acreditam que tenhamos passado, o que os outros sabem que tenhamos passado, seria tão bom se pudéssemos camuflar de nós mesmos tudo o que sentimos.
Talvez ser vítima instigue algum desejo de morte. Desejar a morte é algo incoerente, difícil de aceitar. Há alguns lugares da alma que nunca devem ser visitados, esses lugares que são porões impregnados de podridão. Algumas experiências nunca deveriam ser reais. Entender a realidade é um desafio e tanto quando os acontecimentos são tão bárbaros que condenam a racionalidade. Não, certas coisas nunca serão desvendadas, estarão para sempre afundadas no pântano de um mundo perdido no universo. Desejaríamos ser incapazes de qualquer ato condenado. Qualquer ato que insuflasse para dentro de outro ser humano a dor de estar vivo, a dor da violência sofrida. Existir dói. Para qualquer um. A dor existencial é fato e inerente. A violência causa uma outra dor tão profunda quanto a capacidade de existir. São dores que passeiam na mente, como fantasmas. É necessário confinar os fantasmas em locais seguros, em locais em que possamos avaliar e administrar os fantasmas. Desejaríamos ser incapazes de tais atrocidades. Desejaríamos ser de outra espécie de nossos agressores. De ser de outra matéria. Desejaríamos que nossos algozes não fossem humanos, para que pudéssemos nos sentir seguros o suficiente para afirmar com todas as certezas: “eu não seria capaz de fazer isso! Eu nunca faria isso em nenhuma circunstância a que eu fosse submetido, nunca assumiria esta posição de agressor. Eu sou um ser humano, meu agressor não é”. Não seríamos nunca fantasma de ninguém. Seria um alívio que, enfim, superássemos a violência com a benção da razão. Superação é possível. Saímos do estado de vítima.
Afinal, mesmo vítimas, não há necessariamente a supressão da resistência. Resistir é possível. Quanto? Cada um tem um limite, é verdade. Somos seres resistentes. Seres de ferro.
Prentiss é uma mulher de ferro.
Ela não deixaria que sua identidade se reduzisse a vítima. Se não pôde se defender naquele porão, havia de se defender agora. É preciso instrumentalizar a defesa, armar-se. E nem todas as armas são de fogo. Às vezes são armas etéreas, armas construídas de coragem. Quanto nos orgulhamos da mulher Emily Prentiss! E de sua capacidade de defesa!
Orgulhamo-nos da mulher Prentiss, que tem força de touro, olhos meigos como de um coala, voz firme como de uma pantera, presença como a de um falcão, reflexos como os de um rato. Forças da natureza agindo em Prentiss, força animal. De novo: não animal no sentido de gíria “muito bom”. Quem sabe desta vez, sim, força animaaaaaal!!!
Prentiss sabia que agir em defesa de sua recuperação não poderia ser passiva. Sentar e esperar a melhora? Não. Agir como se nada tivesse acontecido? Não. Reestruturar-se a partir de ações pensadas, calculadas, implementar mudança através da reação. Admitir a violência, desvitimar-se, superar. Não ter medo de ter sentido medo. Não ter medo de ter sentido solidão. Não ter medo de ter sentido vontade de morrer. Superar agora. Superar. Palavra de ordem, intimação.
Aaron Hotchnner perdeu o fôlego quando viu as malas fechadas ao lado da porta. Perdeu o chão. Imaginava que estaria preparado para muitas situações que fosse encontrar no apartamento de Prentiss, mas não malas prontas. Queria tanto marcar sua presença, queria estar ao lado de sua amada todos os dias em que ela precisasse. Como ela o desafiava assim, como ela o dispensava assim?
Prentiss notou a face corada de Hotch, mas não falou nada. Ofereceu um chá. A televisão estava ligada, o livro aberto, o rádio em baixo volume, a internet on line com várias janelas ao rodapé da tela do computador. Congelado no microondas. Tudo funcionando.
__ O que está acontecendo? – Hotch tentava segurar as emoções de sua voz.
__ Não está acontecendo nada. Digo, tudo está acontecendo. Esses dias certamente não serão fáceis para mim, mas vou ficar bem. Preciso de meu tempo, só isso.
__ Por que as malas estão à beira da porta?
__ Você não precisa se preocupar, não vou abandonar o time.
__ Abandonar o time? – Hotch levantou-se, deixando escapar seu inconformismo na sua voz, nos seus gestos, na sua postura – Você acha mesmo que é isso o que me preocupa?
Prentiss se levantou também. Ficaram a um metro de distância. Hotch imaginando a distância a que estavam naquele momento, de costas a ela. Prentiss desejando a distância. Como se afastar naquela situação? Só para não aceitar ajuda das pessoas mais próximas? Só para que as pessoas não compartilhassem das suas angústias?
__ Hotch, isso nunca poderia dar certo. Há uma hierarquia muito implantada entre nós, muito solidificada. Somos muito diferentes e eu não quero abrir mão de quem sou e do que sou com medo de te machucar, de te contrariar, de parecer a toda hora que eu quero te enfrentar sem estar querendo isso. No nosso trabalho em equipe, você é o líder, mas não podemos esperar que você lidere “nós”. Não podemos esperar que você coloque nos seus ombros as nossas decisões, as nossas expectativas, os nossos destinos. Você não pode carregar sozinho esta responsabilidade, não seria justo nem comigo nem com você. Eu só preciso me afastar agora, Hotch, para ir a um lugar seguro, ir a um lugar que eu goste, para espairecer. Quero recuperar alguns momentos de paz de espírito que eu tive anteriormente, reviver boas sensações, estar em lugares reconhecíveis, lugares em que eu me sinta confortável e possa apenas... respirar e tomar um fôlego. Eu não quero te magoar ou me magoar, Aaron, não quero mesmo. Mas se nós ficássemos juntos, isso iria acabar acontecendo. Inevitavelmente você se sentiria impelido a nos consertar, você sabe que sim.
"Eu sinto muito por ter tomado uma atitude ontem, não queria provocar falsas expectativas, eu só precisava... de algo bom, de algo incrivelmente bom para me trazer de volta à sanidade. Aaron, tudo o que eu preciso para os próximos dias está empacotado na minha bagagem, eu espero que entenda..."
__ Faça amor comigo, Emily.
Hotch tinha subitamente se virado. Eles se olhavam nos olhos quando ele proferiu este pedido.
Prentiss engoliu seco. Chegou a abrir a boca, a balbuciar algo. Por fim, cerrou os lábios, fez um suave movimento com as sobrancelhas. Respirou. Olhou para baixo.
Passou reto por Hotch, que ficou sem palavras diante indefinido comportamento.
Ela continuou andando, caminhou até a escada e subiu. Ele aproximou-se do corrimão, tentou espiar a parte de cima do duplex, mas só viu a parede vazia. Seguiu-a. Lá em cima, ela estava encostada a uma mesa decorativa do corredor. Sem desviar seus olhos dele, ela foi recuando, os dedos da mão esbarrando entre os móveis. Ela entrou em um quarto, ainda de costas. Ele continuou no mesmo caminho, seguindo seus passos, seguindo sua trajetória.
Havia sido tão rápida a relação sexual do dia anterior. Mal houve tempo de explorar cada sentido. Não havia sido ruim, não. Rápida.
Hotch parou no meio do quarto. Era um quarto largo, arrumado, calmo. Ficou esperando que ela se aproximasse. Seja lá o que fosse acontecer, ele esperaria. Daria a ela o controle. Daria a ela a oportunidade do comando, da voz, do mando.
A primeira iniciativa de Prentiss foi tirar a sua gravata. Desabotoou sua camisa. Desabotoou os botões das mangas. Agachou-se, desamarrou os sapatos. Tirou o cinto. Baixou as calças. Terminou de tirar a camisa, puxou-o de leve para frente para que se descalçasse. Por fim, a roupa íntima. Agachou novamente para retirar as meias.
Hotch ficou nu. Seu pênis, obviamente erguido, levemente arqueado para a esquerda. Prentiss circulou-o, devagar, sem tocá-lo. Contemplou-o todo. As marcas dos músculos, as cicatrizes, a pele morena, a penugem do corpo. A penugem das nádegas. Os pelos do corpo. Hotch não se movimentou, ficou no aguardo. Ficou mudo, de palavras, de olhares, despiu-se de tudo. De roupas, de intenções, de... de tudo.
Prentiss após alguns instantes começou a passar suas mãos pelas costas de Hotch. Seu corpo estava aquecido. Tocou a nuca, a cintura, todo o bumbum. Ficou de frente a ele, continuando a sentir sua pele, seu peito, seus braços, suas mãos.
Até que se concentrou em seu pênis. Primeiro roçou os dedos apenas nos pelos. Até que compreendeu todo o escroto na palma da mão esquerda. Deslizou o indicador da outra mão, seguindo o caminho desenhado por uma veia, desde a base do pênis até a glande.
Hotch tentava conter-se, mantendo-se pouco ofegante. Só se permitiu aproximar-se quando ela puxou-o para si, segurando-o pela nuca, ainda mantendo em sua mão o seu órgão genital.
Abraçá-lo, beijá-lo, encostar os rostos, senti-lo. Prentiss segurou seu pênis sem soltar, como se sustentasse seu coração. O coração de Hotch, em suas mãos, pulsando, vivo, quente, um coração emocionado, um coração firme, ai, que eu aperto esse coração como se fosse um pássaro frágil, aperto como se fosse massa de pão, como se fosse meu coração, coração cheio de desejo, cheio de sentimentos fortes por você, Hotch...
Prentiss abaixou-se, para abraçar aquele homem de forma que seu pênis encostasse em seu pescoço.
Não só apenas porão existe numa casa.
Não só apenas porão existe na vida.
Prentiss inspira. Expira. Abraça. Aperta. Forte. Prentiss e aquele homem nu diante de si. Prentiss e aquele pênis à sua frente. Se falasse... falaria, com uma voz espremida, uma voz pequena e rouca: “Emily... Emily... Emily...”
Não somente porão existe numa casa. Há também a sala de estar, de jantar, os quartos, o quintal, o jardim, a piscina. Na ânsia por sair do porão, do porão de sua mente, ela se deleita nas suas sensações, no seu tato, no seu olfato, na sua gula. Ela anseia tanto emergir, emergir o melhor de si. Quer deixar o porão, fechar a porta atrás de si. Quer encontrar o quarto mais arejado, mais claro, com teto solar, luz solar entrando em si, invadindo sua alma, seus pensamentos, seus sentimentos, tudo de si.
Ela o jogou na cama. Ele, seguindo a lógica da dinâmica até então, manteve-se neutro. Ficou na espera, no aguardo. Apenas obedecendo aos desejos de Prentiss, para que ela se sentisse segura, se sentisse confortável, avivasse em si a força de seu poder, a força de sua vontade, o controle. Ela, que havia sido abatida, humilhada, triste em tantos sentidos que ele nunca poderia saber, precisava se sentir novamente dona de si, proprietária de si, restituída de vida e prazer. Restabelecida como mulher, como mulher livre. Hotch nunca poderia saber pelo que ela havia passado, pelo que havia sentido, mas sabia que poderia doar-se para que ela o utilizasse no seu processo interno de libertação.
Ele mesmo, entregando-se, estava dando uma chance a sua própria reabilitação. Relaxou as mãos, o corpo, a mente, tudo para se dispor à vontade de Prentiss. Ele faria tudo para demonstrar a sua dedicação a ela. Nem que embrulhasse sua submissão em papel de presente. Papel dourado. Com laço.
Nem mesmo ao observá-la retirar a roupa, com mais afã, postou um olhar agressivo. Queria olhá-la o tempo todo com ternura. Embrulhá-la em seu olhar. Afagá-la.
Nem mesmo quando ela se deitou sobre ele, nem assim tomou a iniciativa. Se ela o acariciasse, se o arranhasse, se o beijasse, se o mordesse, tudo o que continuava a fazer era entregar mais pele, mais corpo, mais obediência.
Pegue de mim o que quiser, faça o que quiser. Eu, exposto, não menos cálido, não menos intenso, não menos apaixonado neste instante, não menos de mim mesmo, aperto sua mão se a sua o faz, beijo seus lábios se assim você o faz, respiro se você respirar. Vivo para você neste instante agora.
Prentiss por cima de Hotch. Os braços segurando seus braços, ele por baixo, pernas abertas, ela o mantendo todo a si. Coxas. Seio. Axilas.
Ela enfim abriu a embalagem do preservativo. Preservativo transparente. Ótimo, assim posso comer a sua cor. Assim posso comer sua cor. Sua cor.
Após introduzir o pênis em sua vagina, ela voltou a deitar-se sobre Hotch. Para sentir seu peito. Para sentir seu suor. Para ouvir seu coração. Seu coração. Ela apertou o pênis entre as pernas, como se fosse o coração dele. Coração que quero espremer. Que quero esfregá-lo de um lado, de outro, quero retirar e recolocar. Quero afagá-lo tanto, tanto, até que exploda.
Talvez fazer amor instigue algum desejo de vida. Assim, consensual, o sexo é um pulsar de vida. No diálogo de gemidos, talvez sussurros, às vezes gritos, conversam-se os desejos de vida. E nada como desejar estar vivo. Nada como desejar estar presente de corpo e alma naquele instante. Sexo é como um sangue encantado que percorre a gente por dentro e por fora. Sangue que incha os genitais. Sangue que corre feliz e saudável por dentro e por fora. Desejo estar viva, sim. Desejo estar feliz neste momento.
Não só uma casa existe na alma. Existe a cidade, o mundo, o universo.
Alma de Prentiss cheia de Hotch.
Ela tomou um fôlego. Um longo e calmo fôlego. Ela acabou se mexendo antes de perguntar a Hotch se podia retirar seu pênis de dentro dela. Mas antes que ela conseguisse proferir qualquer palavra, ele a abraçou, gentilmente deslizando-a para o lado para que ficassem deitados sob o mesmo travesseiro. Ele a compreendeu nos seus braços, deixando-a toda próxima. Não tem importância, pensou Prentiss. Ela o levaria ao gozo outras vezes ainda nesta noite. Trocaria o preservativo.
Não sabia se ele tinha chegado ao orgasmo, o dela porém tinha ficado bem evidente. Depois ela descobriria. Perguntaria, olharia, cheiraria.
Abraçados por alguns minutos. Ou seriam segundos? Ou seriam horas? Corações disritmados. Sem sintonia.
__ Aaron?
__ Sim...
__ Eu vou sair por uns dias. Eu preciso ir.
__ Ok.
Hotch já não se sentia perdido. Já não se sentia encurralado. Estava solto. Estava flutuando. Ele tinha subido as escadas, saído do porão e fechado a porta.
Alma de Hotch cheia de Prentiss.

[FIC] Erotikus

Erotikus (erótico em húngaro)
“Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão,
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão”.
– Livro: Lusíadas; estrofe 68 – canto I, Camões

Rosely Zenker - 12/05/2010

__ Faça amor comigo, Hotch!
Hotch abriu a boca. Tinha a intenção de perguntar: “o quê?!”, mas nem ar saiu de sua boca. Só conseguia olhar para Prentiss, sem reação. Atônito. Tinha sido como se alguém tivesse tirado de supetão sua arma. Como se despencasse. Como se tivesse levado um tiro. Como se...
Quanto tempo se passou? Um segundo? Uma hora? Podia se pensar que muitas coisas passaram por sua cabeça. Mas não, só o silêncio. É um desafio e tanto, parar o pensamento. Como entrar no vácuo, como flutuar no espaço. Tinha sido como se alguém tivesse tirado de supetão sua alma. Como se despencasse. Como se tivesse levado um tiro. Como se...
Prentiss respira. Seus olhos escuros, seus olhos nos seus olhos, sua boca meio aberta, sua pele branca, pálida, sua voz que ainda ecoava em sua cabeça.
“Faça amor comigo, Hotch!”
Seu cérebro decodificando a mensagem. Um lobo pensando: f-a-ç-a – faça – ato de fazer, de executar. Um lobo pensando: a-m-o-r – a/mor – amor... amor? O que é amor? Outro lobo pensando: faça amor: sexo, contato humano, contato entre peles, toque, toque entre corpos nus. Um outro lobo pensando (milhares de lobos em seu cérebro neste momento): c-o-m-i-g-o – co/mi/go... comigo? O que isso significa? Hã? Podem os meus lobos se comunicarem? Onde estão as minhas sinapses, os meus circuitos elétricos entre meus neurônios? O que tudo isso significa, não consigo entender... Cérebro danificado... não manda o corpo respirar, não manda os olhos piscarem, tudo acontece em câmera lenta.
Deixa eu explicar algo sobre o cérebro.
Quando a mente percebe algum sinal de perigo, o cérebro se sobrecarrega. Tudo o que os olhos captam, todas as informações do seu redor que os olhos conseguem perceber, tudo precisa chegar ao cérebro com mais precisão. Isso porque o corpo precisa responder rápido, os reflexos ficam mais aguçados para que se possa evitar o perigo, para que se possa sobreviver. Imagine um cinema: digamos 24 quadros por segundo. Não é um número preciso, estou citando apenas como exemplo. O cérebro, para avaliar com mais rapidez e provocar uma resposta mais ágil, dobra o número de informações das imagens captadas pelos olhos. Como se alterasse o “cinema” para 48 quadros por segundo. Por isso, temos a sensação de que o tempo desacelera. O cérebro provê alguns segundos a mais dentro de um mesmo segundo para que a gente possa reagir. Para que a gente possa analisar com mais nitidez cada quadro, cada cena, cada percurso de todas as mudanças do cenário à sua frente. Quando testemunhamos um acidente, parece que o vemos em câmera lenta. O balanço das folhas das árvores, a fumaça, os cheiros, os sons, todos os detalhes de todas as direções ficam mais perceptíveis. E toda a atenção do restante do cérebro se volta à resposta de seus reflexos. A respiração altera, tudo altera. O fluxo de hormônios muda bruscamente. Adrenalina é injetada. Outras substâncias são produzidas. Repentinamente. Na velocidade de um raio, mas com a sensação de câmera lenta.
O mundo em câmera lenta agora.
“Hotch? Hotch?” (era o cérebro de Hotch tentando reanimá-lo).
Deixa eu falar uma coisa sobre sexo. O sexo é uma resposta animal. Não animal no sentido da gíria “muito bom”. Animal, no sentido de orgânico. Muitas pessoas tentam renegar seu lado animal, seu lado bicho. Não gostam do suor. Não apreciam demais odores do corpo. Não aceitam todos os pelos do corpo. Raspam-nos, cortam-nos. Em certa medida, o corpo é até severamente punido por ser um animal. Muitas pessoas tentam disfarçar o próprio organismo. Cobrem com roupas, maquiagens, produtos industrializados, queimam-no ao sol, à máquina de bronzeamento, tatuam, picam, operam, extraem, modificam. Muitas pessoas tentam mandar mensagens através do corpo, como se ele carregasse um código de ética, de personalidade, de algo até mesmo transcendental. Como se o corpo não fosse matéria, como se fosse só alma. Não podemos transmitir dor, mal estar, emoções diante dos outros, ainda mais se for medo, se for aflição, se for angústia, se for intimidação. Não “pega” bem. O corpo? O corpo tem que ser um sinal de racionalidade, de um conjunto de princípios e de mensagens. O corpo é o que somos. E não somos animais. Não agimos como animais. Temos pensamento: somos superiores: somos racionais. Na minha parca opinião, isso é uma ilusão, não somos seres melhores e não se deve negar o nosso lado animal. Não se deve puni-lo. A existência já é uma punição: existir dói. Por que impor mais dor? Bom, estou mudando de assunto. Quero falar sobre sexo. Atração sexual, resposta animal do corpo, não é “uma nuvem mágica de pó de pirlimpimpim”, é uma atividade química que se inicia no cérebro. Não vou esmigalhar todo processo orgânico do sexo, qualquer dia o Reid explica. Com toda ciência. Basta que lembremos que é um conjunto de atividade do organismo, uma resposta humana. Todo mundo tem suas respostas humanas, e, a não ser que haja alguma patologia, todos estamos habilitados a elas. Saudavelmente, sentimos impulsos. Aptos, porém, pela nossa racionalidade, a controlá-los. Não somos bichos? Sim, somos bichos.
Como bichos racionais temos a opção, a escolha. Por isso, nem sempre é saudável aceitar os impulsos sexuais a torto e a direito, como se não houvesse consequências. Nem sempre é saudável aceitar os impulsos sexuais, como se tudo relativo a sexo fosse inevitavelmente uma experiência positiva. Porque às vezes não é. Sexo intervém nas nossas relações com o mundo. Fazer ou não fazer sexo naquele momento não significa apenas ter de lidar com aquele momento. Significa admitir e lidar com tudo o que advém depois. Para mim, sexo seguro não é apenas usar camisinha. É fazer sexo como uma experiência positiva e construtiva. Não, não estou querendo ser moralista nem defensora dos “bons costumes” (que na maior parte das vezes é um nome bonito para “falsa moral”). O que é bom para um não é bom para outro, cada um que constrói a própria vida. Mas é que sexo muitas vezes é abordado como se nunca fosse desconfortável, nunca provesse nenhum tipo de dor – convenhamos, pode sim ser uma experiência constrangedora no mínimo. E, como uma experiência humana, ninguém nasce sabendo o que é melhor. Todo mundo tem que aprender. Alguns percursos são mais fáceis, alguns mais confusos e problemáticos. Mas até mesmo quem nunca fez sexo tem a sua experiência sexual de ter que lidar com o próprio corpo. De ter que lidar com os próprios princípios. Muita gente erroneamente coloca a palavra “amor” como justificativa de tudo, de todos os erros e acertos. Desculpe, mas na minha parca opinião amor não justifica tudo. Como no caso daquela estória do “Crime do padre Amaro” se repetindo por gerações e gerações (entediante) – esta pessoa vai fazer sexo comigo, vai se apaixonar, seremos felizes para sempre. Porque eu a amo. Quem não leu o livro, desculpe pelo “spoiler”: o final não é feliz. Nem próximo de feliz. E pode ler que vale a pena, o livro é espetacular.
Um exemplo muito claro sobre isso tudo que eu estou falando é esta própria fic!! O título é instigante, “erotikus”, a primeira linha então nem se fala... “Faça amor comigo, Hotch”, tudo indica que a fic vai ser uma experiência agradável e excitante, mas ao invés disso eu fico discorrendo um texto interminável e chato.
Nem todo “sugestivo” desemboca no que promete.
Às vezes é só propaganda enganosa.
E como responder, Hotch, a este pedido? Hotch não é inconseqüente, nunca faria algo que pudesse magoar alguém, ainda mais Prentiss. Não somente por trabalharem juntos, mas evidentemente por haver sentimentos envolvidos.
Que são as regras se a regra maior é o que se sente?
Qual protocolo buscar da mente para lidar com esta situação?
Oh, por que muitas vezes, quando queremos que uma música de filme romântico de cinema comece a tocar como que um milagre, justamente aparece a angústia?
Hotch tentou em vão voltar a si. Suas mãos trêmulas acariciam o ombro de Prentiss.
Tentou proferir palavras, mas somente sussurros saíram de sua boca:
__ Emily, eu... eu...
Espere um pouco, por favor, eu preciso pensar... meu pensamento precisa voltar ao normal para que eu possa processar estas informações, entender o que elas significam, entender o que você está me pedindo, entender que está pedindo para mim.
Prentiss continuou imóvel. Ela sabia o que estava pedindo, sua consciência nunca esteve tão clara. Sabia o porquê de estar pedindo. Porque enquanto esteve nas sombras de um porão escuro, vivendo seus momentos mais sinistros e temerosos, a força para seu sobreviver foi pensar em Hotch.
Não é raro o porão remeter a um significado mais profundo do que a representação espacial da localização. O porão pode ser o lugar perverso, o proibido lugar da alma em que estão os medos e os desafios que se teme enfrentar, os desafios temíveis que dão a impressão de que não se vai aguentar, de que se vai explodir, de que se vai perder a lucidez.
Estar no porão, sob o efeito sedativo de alguma medicação, sem possibilidade de defesa corporal, tendo os músculos comprometidos, sem movimento eficaz, sob o domínio de um serial killer insano e cruel, contando com apenas a perspicácia e a conversação para ganhar tempo para que sua equipe pudesse trabalhar e descobrir onde ela estava... cada minuto passou a ser um desafio de sobrevivência. Ela precisava resistir, fisicamente, emocionalmente, precisa esperar pela chegada de sua salvação.
E, nos momentos de silêncio, em que tremia de frio, molhada pelo cheiro forte da própria urina, temendo a presença de seres mais desprezíveis e sujos da escuridão, que poderiam subir do esgoto, que poderiam tocar e andar por ela e lamber sua pele exposta, só restava a Prentiss concentrar-se em seus próprios pensamentos, avaliando a realidade e fugindo dela ao mesmo tempo.
No início, imaginava palavras doces de JJ, podia até sentir de longe a angústia de Garcia, quase torcendo pela força e concentração e dedicação dos agentes focados nas informações do caso, Reid, Morgan, Rossi, movimentando papéis, talvez falando alto um com o outro, levados pela emoção e pela angústia, uma conclusão levando a outra, a outra... imaginava o percurso da investigação, passo por passo, um consequência do outro, visualizava o processo e os passos da equipe em sua direção.
Até que se deparou surpresa de que não imaginava Hotch. Hotch, até então, não aparecia em seus devaneios.
Hotch e sua postura, Hotch chefe, Hotch comandando.
Hotch, seu cabelo, sua barba bem feita, sua nuca. Sua camisa impecavelmente presa pela gravata apertada. Seu relógio. Sua roupa cara. Os tecidos singulares. A textura de sua roupa.
Hotch? Prentiss, entrelaçando momentos de vigília e de tontura, despertava de seus sonhos acordados.
Tentava pensar em outra coisa, mas logo seus pensamentos recuperavam o corpo de Hotch. Logo imaginava todo seu corpo. Imagina.
Imaginava seu peito. Suas costas. Sua pele morena, provavelmente macia. Hotch duro em pele macia. Seus músculos duros, sua postura dura. Sua pele macia.
E a cada vez que Prentiss sentia sua vida ameaçada escapar de cada minuto ameaçador, ela pensava em Hotch. Podia sentir sua voz, podia sentir o seu olhar. Seus olhos escuros, escuros como os seus. Seus cabelos escuros, escuros como os seus.
Pele macia.
Hotch finalmente voltou a piscar. Era a primeira vez em horas que dava um longo suspiro, horas sem dormir, horas sem beber água, horas de pé apenas beliscando algo aqui e ali para manter o ritmo.
Ao contrário de Prentiss, Hotch por todo o período de angústia, não poderia pensar em mais nada a não ser os trâmites da investigação. Homem? Nulo. Ser humano? Nulo. Emoções? Nulas. Nulas, não, impossível; mas anuladas.
Por isso aquele pedido o acertava como um soco no estômago.
Ele a olhou com desejo e carinho. Seus cabelos desalinhados, sua face marcada pelas horas sem sono e sem comida, sua face – marcada pelas cicatrizes do desespero e da perda de esperança – nunca esteve tão bonita.
Seus olhos escuros, escuros como o dele, brilhavam. Brilhavam... vida! Brilhavam superação.
Hotch entendia o porquê daquele pedido naquele momento.
Só não sabia medir as conseqüências do pedido. Só não sabia medir as conseqüências.
Hotch não faria nada para magoar alguém, ainda mais Prentiss, nunca faria nada que pudesse deixá-la triste. Sua vida pessoal sempre esteve pendendo entre “fazer a coisa certa” e não poder. Porque sua vida profissional não era como a das outras pessoas. Hotch não tinha comando sobre sua própria vida. Algo maior comandava. Algo que impulsionava a sua vida e justificava todas as suas ações.
Como subitamente deixar tudo de lado e ceder? Como responder ao pedido de Prentiss? Qualquer que fosse sua resposta, qualquer que fosse sua ação, como prever as conseqüências?
Hotch desejou que aquele momento fosse simplesmente imaculado. Que poder escutar o pedido de sua amada mulher estivesse desvinculado de tudo o que tinham acabado de passar. Que estivesse desvinculado de tudo o que poderia advir dali. Queria que subitamente sua vida ganhasse autonomia e que qualquer resposta fosse a certa. Que qualquer ação fosse a certa.
Queria poder tocá-la, tocar seu ombro, escorregar sua mão e retirar o fino tecido da camisola de hospital. Como se fosse aquela roupa a mais sexy. Como se fosse permitido deitar-se naquela cama, afastar aqueles lençóis, deixá-la nua por completo, como se pudesse tocar seu corpo e beijar sua pele da cabeça aos pés.
Hotch desejou poder aproximá-la de seu rosto, sentir seu gosto, sentir o contato com sua pele, sentir.
Hotch desejou que aquele lugar fosse o refúgio mais seguro, o cenário mais romântico, e fazer sexo com Prentiss ali, naquele instante, fosse a experiência mais forte de sua vida.
Hotch olhou para Prentiss, com carinho e desejo. Se ao menos pudessem se transportar magicamente para um lugar no mínimo... mais adequado, mais confortável, mais coerente com o que sentia... se pudesse transformar aquele momento na oportunidade mais bela de sua vida...
Se ao menos tudo pudesse acontecer entre eles naquele instante.
Prentiss sorriu.
Prentiss é uma traçadora de perfil. Por isso sorriu. Pressentiu. Ela, ali, quanto tempo havia se passado desde que tinha feito o seu pedido? Um segundo? Um minuto? Uma hora?
Hotch mordeu seus lábios. Ele estava mordendo os lábios de Prentiss. A força de seu desejo causaria uma marca em seu rosto, Prentiss sabia.
Hotch jogou seus lençóis no chão, puxou-a para si, levantando-a, ela envolveu suas pernas em torno de seu corpo. Ele mordeu seu pescoço, rasgou o frágil tecido que se tornou eletrizado de tanta estática.
Ela abriu sua camisa, pôs a mão em seu ventre, percorreu rapidamente suas costas e a conduziu pelas nádegas. Ela desatarraxou o cinto, afrouxou suas calças, sentiu o elástico de sua roupa íntima. Quem estava mais ofegante? Hotch arrancou tudo o que estava entre seu tato e o corpo de Prentiss, ela ficou nua na cama branca. Ele segurou seus seios, de forma tão intensa e tão ardente que ela chegou a pender a cabeça para o lado. Encostou-a no ombro de Hotch. Pode sentir o cheiro de sua pele. Não o cheiro de perfume, mas o cheiro de um homem. Ela pôs a mão em seu queixo áspero, por um momento tentando acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Aproximou seu corpo ao dele, podendo sentir seus genitais sob a roupa que ainda não tinha tirado de todo. Foi Hotch quem enfiou a mão por dentro da cueca e retirou seu pênis, encostando-o em sua pele. Ele se afastou um pouco, o suficiente para que pudessem se olhar nos olhos.
Com habilidade de um coelho a correr velozmente entre obstáculos de um bosque, Hotch puxou a carteira, retirou o preservativo, com as duas mãos concentrou-se em vesti-lo. Nessa hora, Prentiss pode vê-lo. Por instantes sentiu como se tudo a sua volta fosse um apenas um retrato, um sonho. Ao mesmo tempo em que olhava nos olhos de seu amado, concentrava-se em sua vagina, queria senti-lo inteiro, por completo, inteiro. O pênis quente foi sendo introduzido em seu corpo. Hotch por um momento apertou as costelas de sua amada, tentando acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. Não seria uma relação sexual longa. Movida pela impulsividade agressiva do reencontro, não havia expectativa de que fosse... mas o que precisaria ser?
Logo Hotch correria até a porta, espantado com a imprudência de tê-la deixada destrancada, com até um pouco de raiva de si mesmo por isso. Em seguida recuperaria a roupa de Prentiss, entregaria a ela, a cobriria também com o lençol que tinha caído no chão. Tentaria em vão se rearranjar, como se fosse um adolescente assustado com o poder de suas próprias sensações. Talvez se sentaria na poltrona do quarto para recuperar o fôlego, enquanto por sua vez ela também estivesse concentrada em se recuperar do... mas se recuperar do que?
Logo eles estariam percebendo o suor escorrido pelo rosto, o corpo aquecido e sensível como se tivesse saído de um eletrochoque de mil volts.
Pode parecer hipocrisia de minha parte, tendo em vista o que descrevi até aqui, mas deixemos alguns detalhes do restante da relação em segredo cúmplice dos amantes. Certas experiências são intransferíveis. Não estejamos também seguros de que o cenário, a situação, a pressa e tudo o mais tenham sido inapropriados. Às vezes as condições da realidade ultrapassam a promessa de felicidade da fantasia, a realidade e suas limitações acabam por definir a perfeição do que poderia ter sido imperfeito sem ser. Às vezes as expectativas são extrapoladas. E a vida, mesmo que momentaneamente, faz sentido.
Parece que tudo foi tão rápido, parece que nem existiu.
Mas foi real. Aconteceu de verdade.
“Faça amor comigo, Hotch”. Pronto, Hotch finalmente conseguiu decodificar a mensagem, entender o conteúdo do início ao fim. O pedido, seu nome, tudo. Mas agora já tinha sido tarde demais.
Prentiss virou de lado. Sorriu. Hotch foi abrir a porta. Sorriu. Saiu. Não precisavam falar nada naquele momento. Falariam depois. Afinal, eram profileres. Verbalizariam depois. Depois. Agora precisavam lidar com as promessas do depois.

FIC - "Amor lacrimogênico"

“Precisamos urgente de uma ambulância! Repito! Precisamos urgente de uma ambulância! Oficiais em perigo! Repito! Oficiais em perigo!”
No início daquele dia, a equipe BAU chegara a Lakeland, cidade no interior da Flórida. O detetive local, o senhor Lepot, após constatar três mortes aparentemente naturais por ataque cardíaco, comparecera ao velório da quarta vítima, desconfiado da semelhança de condições em que foram encontrados os corpos. A autópsia nada constatara a não ser a confirmação do infarte. Ao se deparar com o defunto, surpreendeu-se com sua estranha coloração. O curso que tinha feito com o CSI Grisson, no passado, em Miami, lhe dera algumas dicas do que suspeitar em uma análise forense. Lógico que uma variação na cor de pele é esperada, mas aquela em particular ele nunca tinha visto. Chegou a passar os dedos no pescoço do morto para saber se ele estava com alguma maquiagem.
Procurando respostas, retomou as investigações nas casas das vítimas, refazendo o percurso de suas atividades logo antes da morte na mesma tarde.
Eram dois homens e duas mulheres aparentemente sem nenhuma relação entre si. Bairros, classes sociais e estilos de vida diferentes.
Ao reunir evidências de que as quatro vítimas foram encontradas todas em uma mesma posição, sendo que objetos ao redor também mantinham uma organização específica, chamou ajuda dos profissionais de Quântico.
Apesar do pesar da família, o recém-enterrado foi exumado no dia seguinte à morte, assim que JJ pôde resolver a burocracia local. Era a melhor possibilidade de mais pistas sobre as misteriosas mortes antes que um novo corpo aparecesse.
Garcia não encontrou nada de anormal no exame toxicológico ou uma evidência particular nas finanças das pessoas envolvidas.
A equipe fez um levantamento mais detalhado das vítimas e descobriu que todas haviam algo em comum: o consumo de maconha, provavelmente adquirindo as drogas pelo mesmo traficante.
“Alguma reação alérgica não detectada de alguma substância misturada à erva consumida?”, questionou Prentiss.
“Pouco provável”, rebateu Reid, “uma reação alérgica revela sintomas aparentes, como enfisemas, mudança local de coloração da pele, colapso pulmonar e consequente parada respiratória, inflamações... nada disso foi percebido na autópsia. Mais provável a introdução deliberada de uma substância danosa ao organismo que causasse a síncope, sem relação direta com a concomitância do consumo da maconha”.
“A autópsia não revelou substâncias estranhas no conteúdo estomacal da última vítima. Não pode ter ingerido”, observou Morgan.
“Bom, uma substância pode ser introduzida no organismo de diversas formas. Na idade média, alquimistas desenvolviam perigosos venenos que só de entrar em contato com a pele podiam levar pessoas saudáveis à morte instantânea. Além do mais, existe a possibilidade de a substância ter sido absorvida pelas paredes do estômago de forma tão rápida que se tornou imperceptível sua presença”, acrescentou Reid.
“Um exame toxicológico de alto espectro apurado pode levar dias. Mas parece ser a nossa única opção. Vamos pedir uma análise completa enquanto continuamos com a investigação”, concluiu Hotch.
Logo após a reunião com os principais policiais da cidade, para informá-los sobre as últimas novidades da investigação e características do unsub já constatadas pela conclusão dos profilers, o legista apareceu com uma nova perspectiva sobre seus resultados.
“O interior do nariz da vítima está danificado. Percebi também necrose precoce dos tecidos da traquéia e da laringe. Minha opinião é de que algo que foi inspirado tenha machucado estes órgãos. Mais uma coisa: seja lá o que tiver causado isto, não foi instantâneo. A inalação constante e prolongada de alguma substância pouco abrasante teria provocado tais lesões”, disse ele.
“No fim das contas, Reid pode ter acertado. Podemos estar diante de um alquimista que tenha inventado algum tipo de gás tóxico”, ponderou Rossi.
“Mas que certamente não ressurgiu da idade das trevas para assombrar a cidade. Cada vez mais as evidências apontam para um traficante de drogas”, acrescentou Morgan.
“Plenamente plausível. Muitos traficantes de drogas são pessoas instruídas, muitas vezes com alto conhecimento de reações químicas e substâncias letais”, explicou Reid.
“O que me leva ao meu próximo comentário: há algumas abrasões não importantes nos joelhos da vítima. Não revelam uma queda forte, mas podem indicar perda de equilíbrio”, concluiu o legista.
“Alguma coisa deixamos passar nas nossas investigações. Precisamos agora nos concentrar na busca desse traficante tendo em vista tudo o que sabemos até agora. Eu, Prentiss, Morgan e Rossi vamos para as ruas interrogar pessoas para procurar por pontos de drogas e outros dados. Reid, continue sua análise geográfica, quem sabe podemos começar a restringir a área de busca. JJ, entre em contato com Narcóticos, veja o que pode descobrir das atividades desta cidade”, comandou Hotch.
Já passara há muito a hora do almoço e os agentes ainda estavam nas ruas, sem muitos avanços.
“Este traficante tem um modo muito peculiar de distribuição de suas drogas. Recolhe muita informação sobre os usuários, mas quase nada se pode dizer dele! Mal conseguimos uma descrição física substancial!”, desabafava Prentiss, quando JJ interrompeu com sua ligação:
“Hotch, tenho informações do departamento de narcóticos! Eles estão com informações de um galpão onde estão acontecendo atividades suspeitas. Eles ainda estavam reunindo provas, mas infelizmente a situação se tornou pior e eles resolveram colaborar, entregando o endereço apesar de não haver material suficiente para um mandado ou apreensão. Uma garota de 17 anos hoje de manhã saiu mais cedo da aula para comprar extasy para ir a uma festa hoje à noite e ainda não voltou para casa. Os pais estão assustados por estarem a par de nossas investigações”.
“Onde é este galpão?”, perguntou Hotch, apreensivo.
“Estou passando o endereço para o seu GPS. Você e Prentiss são os mais próximos do local. O detetive Lepot e seus homens já estão informados e indo para lá também. Chegarão 10 minutos atrás de você”.
“O que está acontecendo? Deixem-me passar!”, gritou Morgan com os policiais, que já haviam isolado a área.
“Infelizmente não posso autorizar, senhor! Esta área pode estar infectada por um gás tóxico e invisível”, informou o policial.
“Normalmente as pessoas relacionam gases com cheiros ou aparências fortes, como uma nuvem de fumaça ou o odor característico do gás de cozinha, mas na verdade um gás pode ser absolutamente inodoro e imperceptível a qualquer sentid...”, Reid é interrompido por Morgan.
“Reid! Reid! Agora não!”
O policial olhou para Reid com interrogações no rosto.
“Você se aproximou da área de alguma forma? Parece infectado! Acho melhor ficar em observação”, desconfiou o policial.
“Não, não! Ele é assim mesmo! Apenas me informe com detalhes o que aconteceu aqui!”, pediu Morgan.
“Bom, atendendo um chamado, detetive Lepot e equipe chegaram aqui há mais ou menos uns 15 minutos. Talvez um pouco menos. Informaram por rádio que encontraram no interior do galpão uma garota aos berros, dando gargalhadas, e dois agentes em estado de delírio. Logo em seguida, começamos a ter problemas de comunicação e perdemos o contato! Depois fomos notificados a proibir a entrada de qualquer pessoa no interior do galpão e estamos esperando trajes especiais para que os paramédicos possam entrar e atender as pessoas. Uma das pessoas, e não sabemos quem, de vez em quando está disparando tiros, mas não se sabe se há algum outro perigo. Nada indica que haja ainda traficantes na área. Há indícios que as pessoas lá dentro possam ter se contaminado por algum tipo de substância alucinógena”
“... e letal!”, acrescentou Morgan, pondo a mão na cabeça, em sinal de desespero.
Quando Hotch e Prentiss saíram do carro, tudo parecia vazio e silencioso. De armas na mão, avaliaram o terreno e decidiram entrar no galpão, já que a enorme porta de correr estava entreaberta. Assim que começaram a avançar no ambiente empoeirado e escuro, começaram a ouvir vozes. Hotch sinalizou a Prentiss que deveriam se separar e se comunicou rapidamente com detetive Lepot que estava quase chegando. Ao atravessar um biombo, Prentiss acionou sem querer um alarme caseiro montado com fios de nylon, alertando o traficante que estava acompanhado de sua próxima vítima. Ao ouvir passos correndo, Prentiss e Hotch se dirigiram imediatamente à voz da garota que não parava de falar. Ao contornarem um contêiner, encontraram-na no chão, deitada de costas, resmungando para o teto. Prentiss se aproximou dela, tentando ver se estava consciente do que fazia, Hotch continuou a procura pelo traficante.
De repente, ele se voltou à área de onde tinha acabado de sair porque Prentiss estava gritando por ele:
“Hotch! Hotch! Hoooootch!!”
Mas assim que ele chegou perto de Prentiss, nada parecia ter mudado de lugar.
“Hotch, eu preciso te falar uma coisa, uma coisa urgente!” – o tom de Prentiss assustou-o.
“Sim, estou ouvindo!”
“Hotch, eu te amo!”
“O quê?”
“Eu te amo há muito tempo já. Há muito que quero lhe falar sobre isso!”
“Prentiss? Prentiss? Escute com atenção!”, Hotch puxou sua camisa para cobrir boca e nariz, tentando fazer o mesmo por Prentiss.
“Hotch, que bom que está aqui!”
“Prentiss, precisamos sair daqui imediatamente! Você foi contaminada por algum gás e está alucinando!”
“Não, Hotch, finalmente estou pensando com lucidez! Tudo está tão claro para mim agora!”
“Prentiss... eu...”, Hotch sentiu uma certa moleza nas pernas, o que lhe deu um calafrio... já estava sentindo efeitos de uma contaminação. Ao olhar em volta, viu um enorme galão de gás com a tramela virada para cima. “Oh, não!”, pensou, preocupado com a falta de ventilação do local, “Este lugar está todo infestado com este gás maldito!” Mas antes que pudesse puxar Prentiss para fora, sentiu vertigem.
“Hotch... Hotch? Você está me ouvindo?”
“Sim, Prentiss, estou!”
“Oh, Hotch, que bom que está aqui! Gosto tanto de sua presença!”
“Emily?”
“Sim?”
“Eu também te amo!”
“Oh, Aaron! Meu amor!”
“Eu te amo tanto, Emily! Eu te amo tanto que seria capaz de chorar!”
“Oh, Aaron! Não chore! Não, não faça isso comigo! Eu vou começar a chorar também!”
“Não, não chore, minha querida, meu amor! Não chore, eu estou aqui! Nunca vou te abandonar!”
“Nem eu! Eu nunca vou te abandonar! Sinta as minhas mãos como tremem! Veja como meu coração bate!”
“Emily?”
“Meu coração sempre bateu por você!”
“O que foi isso?”
“Não sei... parece um tiro... mas não tem importância... nada tem importância... agora que estamos juntos!”
“Não, não tem! Nada mesmo! É tão bom poder falar isso com você, saber que agora estamos juntos...”
“... e nunca vamos nos separar!”
“Nunca!”
“Nunca! Oh!...”
“Oh!...”
Morgan correu para a maca quando reconheceu Hotch.
“Hotch? Hotch? Você está bem?”
“Morgan! Morgan! Que bom que está aqui! Preciso te falar uma coisa!”
“Não se preocupe, Hotch! Está tudo sob controle! Conseguimos pegar o traficante na fuga de carro! Era um químico, Hotch! Já está preso!”
“Morgan, Morgan...” – Hotch, com lágrimas nos olhos, segura o ombro do amigo – “Eu amo a Emily, Morgan!”
“Sim, eu sei!”
“Morgan, onde ela está? Não deixem que eles nos separem, Morgan!”
“Pode ir agora, doutor! Não se preocupe, Hotch! Você vai ser desintoxicado, Hotch! Não inalou o suficiente para ser mortal, Hotch!”
“Morgan... Morgan... Eu a amo! Eu amo a Emily...”
Morgan comprou um refrigerante geladíssimo na lanchonete do hospital.
Fazia sol e um tempo bonito no dia seguinte.
“Sabe que a composição do gás produzido por aquele traficante é fascinante?”, indagou Reid.
“Não diga!”, respondeu Morgan, desinteressado.
“Sim! Ele estava trabalhando uma variação do soro da verdade em forma gasosa, com componentes alucinógenos e princípios do gás lacrimogêneo! Mas não se sabe se será possível reproduzir a composição, o traficante está se negando a colaborar!”
“Sei...”
O médico chamou.
“Vocês podem entrar agora!”
Hotch estava sentado na cama, com soro conectado ao braço.
“Ei, veja quem acordou!”
“Não fale muito alto! Estou com muita dor de cabeça! Muita dor de cabeça!”
Os companheiros riram.
“É ressaca!”, brincou Morgan.
“E Prentiss?”
“Está dormindo ainda! Mas vai ficar bem...”
“Eu não me lembro de muita coisa... o que aconteceu?”
“Nada de muito importante que você precise saber agora, Hotch...”, precipitou-se Morgan. “Tente apenas descansar!”
“É, descanse!”, acrescentou Reid. “Ainda temos uma viagem de volta. Poderemos voltar ainda hoje, você e a Prentiss terão alta durante o dia!”
“Ainda bem que terminou tudo certo!”, ainda comentou Hotch.
“É... ainda bem”, Morgan bebeu mais um gole de seu refrigerante geladíssimo.

Orkut 26/08/2009